Em Cametá, sala de leitura promove experiência literária
"As experiências literárias incomodam, sensibilizam, questionam o leitor, pois a autora arrebata por meio de sentimentos intensos", afirma a pesquisadora.
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Por Nicole França Foto Acervo da Pesquisa
Clarice Lispector é, sem dúvidas, um dos maiores nomes da literatura brasileira. Grande parte de suas obras gira em torno de aspectos simples do cotidiano e de tramas psicológicas. Seus romances, contos e ensaios são um marco para a literatura. Não é à toa que existe uma sala de leitura com o seu nome na Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Simão Jatene, em Cametá. Tal sala de leitura serviu como base para o desenvolvimento da dissertação de Gilma Guimarães Lisboa. Intitulada Pelas mãos de Clarice: O desabrochar da experiência literária na Sala de Leitura Clarice Lispector, a pesquisa foi apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura (PPGEDUC), orientada pela professora Gilcilene Dias da Costa.
A dissertação buscou analisar as experiências de leitura literária de textos clariceanos entre os jovens frequentadores da Sala de Leitura Clarice Lispector. “Na pesquisa, procurei entender quais sentidos e experiências surgem da relação texto-leitor; em que medida os contos clariceanos são capazes de tocar as experiências de leitura e os modos de vida desses leitores; como cultivar o gosto pela leitura literária no ambiente escolar para além dos usos meramente didáticos e funcionais”, explica Gilma Guimarães Lisboa.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram feitas reconfigurações na Sala de Leitura Clarice Lispector, com o intuito de transformar o espaço em um ambiente mais dinâmico e acolhedor para os estudantes. Além disso, foram realizadas atividades artístico-literárias para promover maior interação entre os leitores e os textos.
“Assumimos o desafio de tensionar a presença não tão notória de obras literárias de escritores brasileiros, como as de Clarice Lispector. Assim, a pesquisa se construiu pela livre circulação de estudantes frequentadores da sala de leitura, especificamente os que liam as obras de Clarice Lispector e, com ela, produziam experiências literárias e leituras de vida”, explica a pesquisadora.
Atividades incluíam cinema e rodas de conversa
As atividades realizadas para a pesquisa foram feitas com o propósito de aproximar os alunos da obra de Clarice. Dessa forma, foram organizadas atividades como o Cine Hora de Clarice, com apresentação de curtas, filmes e documentários sobre a autora e sua obra; empréstimos de livros da autora; Café Literário com um escritor cametaense; Cantinho da Leitura, no qual eram expostos livros de Clarice Lispector e de outros autores; declamação de textos clariceanos; roda de conversa sobre a experiência de leitura e dinâmica de perguntas e respostas sobre os livros.
“Com as atividades desenvolvidas, buscamos pensar a leitura literária na escola como algo que permitisse ao jovem leitor sonhar sem receio de se perder, promovendo o deslocamento, a liberdade, o exercício da curiosidade e do espírito aventureiro”, conta Gilma Guimarães.
Com as atividades e o vivenciar poético na sala de leitura, foi possível desenvolver estratégias de ensino e reflexão que impactaram nos modos de aprender e ensinar a literatura na escola analisada. Tais estratégias mostraram os múltiplos sentidos presentes na relação texto-leitor, o que levou os estudantes para além da finalidade funcional com que o texto literário é sempre apresentado.
“Acompanhar as experiências de leitura e ter a percepção de como o desabrochar literário acontecia quando os alunos se encontravam com Clarice, tudo isso era instigante. A sala de leitura é um espaço de aprendizados coletivos e trocas subjetivas imprescindíveis para a formação do jovem leitor, um lugar potencializador de sonhos, de vozes e de experiências capazes de reverberar no mundo objetivo e subjetivo do leitor”, avalia a pesquisadora.
Encenações aproximaram leitores da obra
Com o objetivo de viabilizar a ampliação do acervo bibliográfico de Clarice Lispector na escola, a pesquisadora adquiriu mais de 30 títulos da escritora. Gilma Guimarães selecionou textos clariceanos para a realização da pesquisa, dos quais oito foram adaptados para serem encenados pelos alunos: Felicidade Clandestina, A Hora da Estrela, Feliz Aniversário, Sou uma Pergunta, A Vida Íntima de Laura, O Triunfo, Mas se Chover, Praça Mauá.
“A escolha dos contos possibilitou ao leitor relacionar a literatura às vivências sociais e subjetivas, proporcionando uma análise cartográfica por múltiplas facetas da subjetividade leitora, como as relações e os preconceitos de gênero, a sexualidade, os conflitos amorosos intergeracionais, o abandono aos idosos, questões como liberdade, felicidade, solidão, amizade, entre outros assuntos”, declara Gilma Guimarães.
Nas rodas de conversa, a pesquisadora buscou compreender as primeiras impressões dos estudantes sobre Clarice. “Procurei registrar os gestos, as atitudes, as expressões subjetivas dos participantes e o que revelaram sobre as experiências de leitura. Assim, percebi as ressonâncias da literatura com a vida, pois o que um escritor escreve tem relação com o que ele viveu. O encontro com a literatura ao mesmo tempo afaga e desassossega, instiga a pensar, a criar”, revela a autora.
As personagens Macabéa, de A Hora da Estrela; Carla, de A Praça Mauá; Dona Anita, de Feliz Aniversário; Angélica, de Mas se Chover; Cecília, de Felicidade Clandestina e Luísa, de O Triunfo; foram as que mais se destacaram entre os alunos e potencializaram as interações, as provocações e os questionamentos.
Com essas leituras, os estudantes puderam partilhar anseios, desejos, paixões e desilusões. “Clarice possibilita ao leitor mover-se por diversos caminhos e convida-o a sair de seu porão para visitar outras partes da casa fechadas ou empoeiradas. São janelas pelas quais o leitor passa a enxergar novos horizontes e novas possibilidades de experiências”, afirma Gilma Guimarães.
“As ações da sala de leitura desenvolveram atividades de ensino e produção de subjetividades que potencializaram um encontro da escritora com o leitor e da obra com a descoberta do mundo. O conhecimento sobre Clarice passou a fazer parte do aprendizado dos alunos de uma maneira mais fluida. As experiências literárias incomodam, sensibilizam, questionam o leitor, pois a autora arrebata por meio de sensações e sentimentos intensos e desconhecidos”, conclui.
Ed.147 - Fevereiro e Março de 2019